11 de maio de 2008

#5

The Fountain, de Darren Aronofsky

5 de maio de 2008

#4 - Ramblas, Barcelona

«O chão tem a cor da alegria. Também tem outras cores, mas a que ressalta mais na animação do fim da tarde é a cor da alegria. O homem tem a cor da tristeza. Também ele tem outras cores, mas a que ressalta mais na animação do fim de tarde é a cor da tristeza. O chão é amarelo como um dia de sol, o homem é violeta como uma flor murcha. As pessoas passam pelo chão amarelo e pelo homem violeta como um rio pelos pilares de uma ponte. Não reparam nem no chão, que é um mosaico de Miró, nem no homem, que é um dos muitos mimos-estátua das Ramblas. Algumas deixam cair umas moedas ao pé do homem-estátua, num gesto inconsciente, com a mesma indiferença com que se desviam de um transeunte parado na conversa, ou que percorrem com o olhar os cabeçalhos dos jornais nos quiosques. Um senhor de gravata deixa 500 pesetas, como se pagasse à tristeza do homem violeta a portagem quotidiana do regresso ao conforto do lar. Finalmente, uma moça repara nele. Tem talvez pena, sorri. Ele sorri também. A moça é bonita e elegante. Ela passa, volta-se e sorri de novo. Ele também. Algumas pessoas reparam finalmente no homem triste, porque perdeu a tristeza quando sorriu. Ela diz adeus com a mão, já longe, ele também. Muitas pessoas reparam agora no homem triste, porque perdeu não só a tristeza mas a imobilidade. A moça regressa decidida, e todas as pessoas reparam neles, porque o homem é apenas um pobre artista de rua e a moça é bonita e elegante. Os dois ficam a estudar-se nos olhos um do outro durante uns segundos, debaixo da atenção suspensa do resto das pessoas. Depois beijam-se, e aquele pedacinho de Ramblas explode num aplauso.»




Encontrei o chão que tem a cor da alegria. É este mesmo. Muitos anos depois ainda está lá. Sem homem violeta-flor-murcha. Cá está.